segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O retrato


"Ele acha, logo existe


por Ferreira Fernandes Ontem

Não venham cá com os vossos factos que eu tenho as minhas suspeitas - eis Portugal cada vez mais assim. Já tínhamos os inspectores da Judiciária que falhavam uma investigação sobre factos e acabavam a vender livros sobre as suas suposições. Isso era a prática corrente - as vitórias morais no futebol eram a expressão mais popular dessa tendência. Há semanas, uma líder partidária, Manuela Ferreira Leite, decidiu dar base programática à coisa: "Eu não quero saber se há escutas ou não, eu não quero saber se há retaliações ou não, o que é grave é que as pessoas acham que há." O nacional-achismo passou a doutrina oficial.

Tão oficial que chegou a Belém. Belém acha-se escutado. Logo, Belém é e está a ser escutado. E o que faz um Presidente escutado? Num país menos virado para o etéreo, procurava-se o facto. O microfone, os gravadores, os espiões… Olhem, no Brasil - é só um exemplo para ficarmos dentro da nossa língua - um caso destes aparece nos jornais com a fotografia do agente que escutou e o comanditário da escuta ou, no pior dos casos, com a fotografia do "grampo", como eles chamam à aparelhagem espiã. Factos. Mas isso é em países materialistas.

Por cá, pelo Portugal do achismo, o Presidente chama o Lima e diz-se: "Eu acho." Isto é gente de muitas suspeitas e poucas palavras e Lima viu logo o filme todo. Vai a um café discreto e diz a um jornalista: "Eu acho." O jornalista espanta-se, naturalmente. Lima olha para todos os lados e sussurra: "E estou habilitado para poder dizer que o Presidente também acha."

É daquelas informações que têm de amadurecer em casco de carvalho durante 17 meses. Findo os quais, a manchete: "Belém acha!" Foi há um mês. Desde esse achamento, conheceram-se os seguintes não factos: o Presidente NÃO alertou a Procuradoria NEM os Serviços Secretos para investigarem; o Presidente NÃO alertou o Parlamento para se mobilizar contra o escândalo. A esses 'nãos' acrescente-se que os militares, tendo sido convidados pelo Presidente a passar o palácio de Belém a pente fino, NÃO encontram nada.

Ficou assim comprovadíssima a suspeita de Cavaco Silva. Como se sabe, o achismo vive numa nebulosa e alimenta-se de leves impressões - tivesse sido encontrado um pequeno facto e lá ia a tese de Belém por água abaixo. Felizmente, podemos continuar a achar, a suspeitar, a desconfiar. É um modo de vida como outro qualquer. Só peca quando descamba para a sua variante de apontar o "clima de medo que se vive." A frase destrói a tese. Se houvesse mesmo um clima de medo, eu acho, suspeito e desconfio que não havia tanta gente a apontá-lo.

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